Parte deles atingiu meta de utilizar até 20% dos recursos com esses alimentos, mas avanço ainda é desigual entre as regiões do país.
Os municípios brasileiros estão reduzindo a compra de alimentos ultraprocessados e processados para a merenda escolar, segundo um estudo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), publicado em parceria com o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ).
A pesquisa usou como base os gastos dos recursos federais do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) entre os anos de 2015 e 2019. Em média, a compra de alimentos ultraprocessados e processados representou 24,3% dos gastos feitos pelos municípios com recursos do PNAE em 2019, uma redução de 10,5% em comparação com 2015.
Os dados fazem parte do policy brief (uma espécie de relatório voltado a tomadores de decisão e gestores de políticas públicas com dados de pesquisas) "Os municípios brasileiros estão prontos para cumprir com as metas de redução de compra de alimentos processados e ultraprocessados para a alimentação escolar?".
Vale lembrar que alimentos ultraprocessados são formulações industriais com alto teor de açúcar, sódio, substâncias industriais e ausência de nutrientes, a exemplo de macarrão instantâneo, biscoitos, preparações prontas para pães e bolos, refrescos em pó, bebidas com adoçantes, refrigerantes e salgadinhos de pacote. Os alimentos processados incluem pães, geleias de frutas e queijos que passaram por uma etapa tradicional de processamento, mas sem aditivos com a chamada função cosmética (corantes, emulsificantes e aromatizantes).
Outro ponto de atenção é que os ultraprocessados colaboram para o aumento da obesidade e para o surgimento de doenças crônicas, como a diabetes e a hipertensão, já a partir da infância.
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Avanços desiguais
Ainda de acordo com o estudo do Nupens/USP e da ÓAÊ, 40% dos municípios brasileiros utilizaram menos de 20% dos recursos do PNAE para a compra de alimentos processados e ultraprocessados, atendendo à resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Segundo essa resolução, em vigor desde 2021, os gastos com alimentos processados e ultraprocessados devem estar limitados a 20% dos recursos repassados pelo FNDE aos estados e municípios, com o objetivo de compra de alimentos para o PNAE. Essa medida alinha o programa às diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira, que traz orientações para uma alimentação saudável e mais adequada aos hábitos e à cultura do país.
Os avanços, no entanto, são desiguais entre as regiões brasileiras. Os gastos com ultraprocessados são proporcionalmente maiores nas regiões Sul, Norte e Centro-Oeste.
Entre os alimentos que mais consumiram recursos do PNAE em 2019 estão: carne bovina (14%) e de frango (7,9%), leite em pó (6,1%), banana (4,4%) e biscoito (4,3%), este último sendo o ultraprocessado com maior participação nos gastos.
Evasão e fechamento de escolas reduziram repasses
Se, por um lado, os dados mostram que é possível ofertar uma alimentação saudável nas escolas, por outro, garantir o nível dos repasses a municípios e estados, além de conter a evasão escolar, ainda são desafios, segundo uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará (UFC) publicada na revista científica “Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação”.
O estudo mostrou que os repasses financeiros do PNAE diminuíram na maioria dos estados brasileiros. A análise dos dados abrange o período entre 2014 e 2020. A queda atinge até mesmo o estado de São Paulo, um dos que mais recebeu recursos do PNAE ao longo dos anos, junto com Bahia e Minas Gerais. De 2014 a 2020, o estado teve uma redução de 15%.
Para os autores, a redução de repasses do PNAE pode estar relacionada à evasão escolar de estudantes. O valor a ser repassado pelo governo federal para as secretarias estaduais e prefeituras é calculado de acordo com o número de alunos matriculados nas escolas federais, estaduais e municipais registradas no Censo Escolar, além dos dias letivos.
O trabalho mostra também o impacto da pandemia na educação: 2020 é o ano com menor número de municípios atendidos pelo PNAE, por causa do fechamento das escolas e da evasão. Foram 3.611 municípios a menos do que em 2014.
“A decisão de delimitar a análise entre 2014 e 2020 foi estratégica para capturar os impactos reais de duas ações importantes para o quadro alimentar dos estudantes brasileiros: a saída do Brasil do mapa da fome estabelecido pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), em 2014, e o impacto da extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em 2019”, explicou Nataniele dos Santos Alencar, co-autora do estudo e pesquisadora da UFC, em entrevista à Agência Bori.
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