Por Carolina Rocha, nutricionista e analista de saúde do Instituto Desiderata
Comemorado em 16 de outubro, o Dia Mundial da Alimentação tem como tema, este ano, “Não deixar ninguém para trás. Melhor produção, melhor nutrição, melhor meio ambiente e uma vida melhor”. Liderado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), o movimento chama a atenção para o fato de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo não terem, atualmente, acesso a uma alimentação adequada e saudável. Além disso, segundo a ONU, 49 milhões de crianças com menos de cinco anos tiveram crescimento e desenvolvimento atrofiados devido à falta crônica de nutrientes essenciais em suas dietas, enquanto 39 milhões estavam acima do peso. Essa situação, agravada em todo o mundo pela pandemia, pela crise climática, por guerras, desigualdade e preços cada vez mais altos, afeta as crianças e adolescentes brasileiros de maneira preocupante, comprometendo gravemente sua saúde e seu desenvolvimento.
A fome voltou a ser uma ameaça para 33,1 milhões de brasileiros e brasileiras e, nos lares com crianças com menos de 10 anos, apenas 33% estão em condição de segurança alimentar . Por outro lado, o consumo de alimentos ultraprocessados, altamente prejudiciais à saúde de pessoas de todas as faixas etárias e, em especial, de crianças, por afetar seu desenvolvimento, vem aumentando consideravelmente. Nos últimos anos, por exemplo, o consumo de feijão despencou entre crianças brasileiras, com queda de 30% entre os anos de 2020 e 2021, segundo dados do Panorama da Obesidade em Crianças e Adolescentes.
A queda do consumo de alimentos de cultura alimentar tradicional nos traz um importante alerta sobre a participação cada vez mais expressiva de alimentos ultraprocessados na dieta dos brasileiros, especialmente de bebidas adoçadas como refrigerantes, achocolatados e refrescos, que foram consumidas por 68% das crianças de 5 a 9 anos . A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar aponta que entre os adolescentes de 13 a 17 anos, apenas 2,7% não haviam consumido ao menos um alimento ultraprocessado no dia anterior à entrevista.
A escola, lugar onde crianças e adolescentes passam grande parte do seu tempo, pode ser uma grande aliada ou inimiga da saúde infantil, a depender de como dificulte ou facilite o acesso a uma alimentação adequada e saudável. Muitos estudantes têm nas refeições oferecidas pela escola o único momento para se alimentar, enquanto outros por diversas razões, evitam a refeição oferecida na escola, substituindo-a por lanches prontos e alimentos – em sua maioria ultraprocessados – comprados nas cantinas das escolas ou nos seus entornos.
No Brasil, a alimentação nas escolas públicas é amparada pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), uma política voltada para a promoção do crescimento, do desenvolvimento, da aprendizagem e do estímulo a práticas alimentares saudáveis, tanto com ações de educação alimentar quanto pelo oferecimento de refeições durante o período que as crianças estão na escola. O PNAE é uma das políticas públicas mais antigas e bem-sucedidas do Brasil e tem sua execução técnica atualizada alinhada com diretrizes do Guia Alimentar para População Brasileira, que prioriza e destaca a importância de uma alimentação baseada em produtos in natura e minimamente processados. Comer a comida oferecida na escola deveria ser, portanto a garantia de uma alimentação saudável. Atualmente, no entanto, o programa conta com uma verba 46% menor que a de 2018.
Se, por um lado, as crianças que estudam em escolas públicas têm sua situação alimentar ameaçada pelo recuo dos investimentos feitos na alimentação escolar, nas escolas em que há cantinas, em especial as privadas, não existe qualquer regulação que proteja crianças e adolescentes da oferta e da publicidade de alimentos ultraprocessados. No Rio de Janeiro, nos âmbitos estadual (Projeto de Lei 4748/2021) e municipal (Projeto de Lei 1662/2019) e também em Niterói (Projeto de Lei 95/2022), importantes iniciativas que restringem a oferta de alimentos ultraprocessados em ambiente escolar e garantem que a alimentação nesses espaços seja uma aliada da saúde infantil e colabore também para a prevenção da obesidade nesta faixa etária estão em discussão. A aprovação de propostas como essas é fundamental para que uma alimentação adequada e saudável seja um direito garantido a todas as crianças.
Não deixar crianças e adolescentes para trás no acesso a uma alimentação adequada e saudável passa pela garantia de refeitórios e cantinas escolares seguros, para que possibilitem uma alimentação adequada e saudável para todas elas!
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